Há um texto de Philip Yancey que me marcou muito. Ainda hoje penso nele e o uso como referência em algumas conversas. Trata-se de "A igreja da meia-noite", capítulo do livro "Perguntas que precisam de respostas". Tendo como tema-ilustração o alcoolismo (também assunto de meu interesse), Yancey aborda, na verdade, um problema interno da igreja, que eu chamo de teatralismo ou ritualismo excessivo. Ele cita um relato de um acoólatra:

"Nenhum de nós é capaz de prosseguir só, e não foi para isso que Jesus veio? Ainda assim, a maioria das pessoas na igreja apresenta um ar de satisfação consigo mesmas, com piedade ou superioridade. Não sinto que, conscientemente elas se apóiem em Deus ou umas nas outras. Parece que a vida delas está em ordem. Um alcoólico se sente inferior e incompleto na igreja."

Aparentemente, e a julgar pelo número de livros que tenho visto sobre "o fim/crise da igreja" a experiência cristã (no que se refere à igreja) pode estar um pouco fora de rumo. Isso não significa que não possa ser revista e refeita.

Talvez, possamos começar entendendo que a igreja não é um "hospital". Os pastores e lideranças não são "médicos". Não podemos e nem devemos separar os mais crentes ou mais santos. Acredito que precisamos entender que, na igreja, TODOS são pacientes. Quem sabe, a partir do reconhecimento de nossa verdadeira condição, possamos baixar um pouco a guarda, tirar um pouco a máscara e tornar a igreja um ambiente mais humano e receptivo.

No último versículo do livro de Jonas, Deus diz ao profeta: "e não hei de ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda(...)?" No contexto do versículo, discernir entre as mãos direita e esquerda significa discernir o certo do errado. Pergunto-me quão distante estamos da "grande cidade de Nínive, sobretudo quando vejo casos como o o vereador que, além de fazer barulho demais em uma festa, agride porteiro e síndica que tentavam administrar a situação ou o twitter da lei seca, que recebeu uma homenagem dos vereadores da grande cidade do Rio de Janeiro.


Não se trata de escândalos de corrupção, desvio de verbas, caixa dois ou coisa do gênero. Estamos falando de situações de julgamento aparentemente simples em que esses representantes parecem ter perdido qualquer noção de limites. O twitter em questão se autodenomina uma "conta para informações on-line sobre blitz de Lei Seca no RJ, que tanto atrapalham o trânsito e ferem nosso direito de ir e vir." Através dessa conta, os usuários podem ser informados instantaneamente onde ocorrem as operações da polícia e optar por caminhos alternativos. Mais de 60 mil pessoas estão cadastradas para receber esses informes.

Na narrativa bíblica, Deus envia Jonas para pregar contra a cidade e proclamar o juízo divino. Todos na cidade se arrependem, inclusive seu Rei, o que a salva da destruição. O comportamento desses vereadores mostra apenas o que qualquer observador da política brasileira pode constatar: os conceitos morais dos nossos representantes são absolutamente distorcidos. Ao que parece, a nossa grande cidade é pior que a grande cidade de Nínive.

Eu assisto o CQC, e em grande parte por conta do Danilo Gentili (da época em que ele fazia as matérias políticas em Brasília). Apesar de achar seu twitter muito chato, gosto também de algumas idéias de seu blog. Esta semana assisti ao vídeo em que Danilo aparece numa matéria em uma marcha para Jesus. Ele afirmou, em outro vídeo, que frequentou igrejas evangélicas (batistas), foi líder de jovens e queria até ser pastor, mas por seu espírito questionador foi convidado a se afastar da igreja. 

É triste que isso aconteça, principalmente porque ele demonstrou ter buscado conhecer a palavra de Deus mas, ao que parece, não conseguiu vivê-la em comunidade. Triste também é a reação de alguns que pedem o boicote ao CQC somente porque mostrou umas lastimáveis verdades sobre os evangélicos que estavam na marcha para Jesus. Interessante uma resposta ao pedido de boicote que dizia que deveríamos antes boicotar as novelas da globo.

Não tenho dúvidas de que Danilo deve ter visto muita coisa feia nos "bastidores" das igrejas que frequentou. É realmente lastimável o que muitos líderes religiosos fazem. No entanto, ele falou algo importante. Disse que era católico, mas que leu a Bíblia e descobriu que "não dava para ser católico". Então foi procurar uma igreja que fosse mais coerente com a Bíblia. Gostemos ou não de Danilo, temos que concordar que ele fez uma coisa certa: comparou os ensinos bíblicos com a prática de sua religião.

Assusta-me o desconhecimento da Palavra por muitos que frequentam a igreja ou se dizem cristãos. Apesar da reforma protestante, que fundou o mundo "evangélico", ter sido predominantemente um movimento de abertura das escrituras para os "leigos", percebo, com grande pesar, que a experiência cristã de muitos está se baseando numa espécie de tradição oral. E para piorar, a qualidade dos discursos está cada vez mais baixa. São sempre os mesmos jargões, os mesmos versículos, a mesma interpretação (errada), a mesma experiência "transcendental". Arrisco estimar que, em muitas congregações, no máximo 30% das escrituras estão presentes nas homilias e, consequentemente, na cabeça das pessoas.

Por outro lado, o hábito da leitura se perdeu diante da explosão das TVs por assinatura, internet e, porque não, até mesmo dos periódicos, tanto impressos como online. Assim, mesmo alguns que tentam ler as escrituras, parecem fazê-lo como uma espécie de ritual, pouco assimilando. A Bíblia contém livros de diferentes gêneros (narrativos, poéticos, apocalípticos, evangelhos, epístolas etc) sendo necessário, além de discernimento espiritual, uma certa sofisticação literária para compreendê-los em sua plenitude. E isso está faltando nas igrejas. Não só nas que congregam pessoas mais humildes que não tiveram acesso a uma boa educação, mas em muitas igrejas de classe média/alta onde os jovens tiveram a melhor educação que o dinheiro pode comprar.

É urgente que as pessoas passem a ler e conhecer a Bíblia, por inteiro. Somente assim haverá um cristianismo libertador, pujante, vivo, e não um cristianismo clichê, frio e raso. O professor José Carlos de Azeredo nos lembra que:

"A aptidão para a leitura de textos variados, com finalidade estritamente informativa ou com objetivos profissionais, morais, estéticos ou de lazer, assim como a capacidade para conceber um texto adequado a seus fins - e portanto no gênero apropriado e pensadamente urdido nos aspectos gramaticais e lexicais - fazem parte da formação plena de qualquer cidadão pertencente a socidades complexas, e são uma condição para o desenvolvimento contínuo do potencial intelectual e cultural de qualquer pessoa."

Quem sabe, quando todos os que se dizem cristãos passarem a conhecer realmente as verdades bíblicas, seja difícil ou impossível manipular massas em nome de Jesus. E que aqueles que precisam se aproximar de Deus através do questionamento, como Danilo Gentili, encontrem um ambiente preparado para discutir e apresentar-lhe o Deus verdadeiro.

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